Primeiro, faço questão de escrever isso porque relatos de parto (via cesárea ou vaginal) me ajudaram muito ao longo da gravidez e espero contribuir com alguém também. Segundo, ressalto que cada parto é diferente porque cada mulher, cada bebê e cada família são diferentes. Terceiro e mais fundamental, meu parto tem a ver com o que eu escolhi para mim na vida. Escolhi sentir cada momento com toda intensidade possível. Foi o que eu fiz e foi lindo.
Nosso parto (o parto é uma obra coletiva de mãe, bebê, acompanhantes e equipe médica) foi um parto normal, humanizado. Normal não apenas porque foi via vaginal, mas porque foi como a nossa natureza, nossa anatomia e nosso tempo (meu e o do Gabriel) permitiram. Tudo isso com a ajuda essencial do Dr. Thiago Saraiva (obstetra) e Thalita Aciolly (doula).
Um parto não é um mar de rosas. Não foi sem dor, não foi romântico como nos vídeos e fotos que eu vi. Eu tive dor, desconforto.. Mas sabem o que eu tive também? Confiança, conhecimento, respeito ao corpo e as minhas decisões, apoio da família e dos amigos, uma equipe excelente e um pré-natal bem feito (em termos de exames, acompanhamento e exercícios físicos).
Eu e Artur, meu companheiro nos preparamos desde que soubemos da vinda do bebê. Também buscamos, através de indicações de amigos, profissionais que tivessem um perfil como o nosso, assim chegamos a Thiago e Talitha, que nos acolheram com carinho, embora nosso pré-natal tenha começado em Campo Grande (MS). Ambos nos deixaram seguros e à vontade para tomar nossas decisões. E tomamos. Fizemos um plano de parto lindo, compramos banheira, óleos essenciais, baixamos 12h de música, visitei o hospital com a minha mãe (optamos por um parto hospitalar), fiz exercícios físicos – corrida até o oitavo mês e pole dance e alongamento até 4 dias antes do nascimento de Gabriel – e esperamos…
Decidimos, na nossa vida em família ser um time. O parto não poderia ser diferente. “Fechamos juntos” eu ele e o bebê e “combinamos” que a gestação e o parto seriam nossos. Além disso, eu e Artur fizemos uma espécie de acordo, ele respeitaria meu corpo (afinal o bebê é nosso, mas o corpo é meu) e eu avisaria sempre que algo estivesse errado. Confiança. Simples assim. Notem que confiança e respeito são palavras fundamentais nesse relato.
Meu filhote nasceu no dia 22/03. No dia 19 eu fiz tudo o que queria, acordei cedinho e resolvi coisas. O dia 20 eu passei na rua, almocei num food truck, celebramos a chegada do bebê com os amigos, nos divertimos… Tudo bem tranquilo. Na madrugada do dia 21 acordei (umas 3h, no máximo) com uma ânsia de vômito horrível. Eu raramente vomito por isso me preocupei. A pesar da ânsia, não consegui vomitar, voltei a dormir e por volta das 5h acordei e vomitei muito. Depois disso o mal estar passou. Falei com Artur, mas decidimos aguardar porque pareceu um episódio isolado (embora eu tenha lido que diarreia e vômito possam ser prenúncios do parto). Não avisei nem ao médico e nem à doula. Fora isso, o dia 21 foi relativamente normal (me senti cansada e sem apetite, só). Minha mãe mora fora e chegou para o aniversário dela/ parto (eu tinha feito 38 semanas na quarta anterior) e eu, ela e Artur organizamos algumas coisas do quarto do bebê à noite. Minha mãe lembrou que naquela noite havia um alinhamento da lua quase cheia com Júpiter, fomos à varanda ver e ela disse que aquela seria a lua do Gabriel…
Coincidência ou não antes de dormir percebi o início da perda do tampão mucoso. No meu caso uma substância gelatinosa com traços discretos de sangue em pouquíssima quantidade. Decidi não avisar a ninguém, pois entre o início da perda do tampão e o parto em si podem passar horas ou dias. Apenas pedi a Artur para cancelar um compromisso profissional no dia seguinte.
Dormi com um absorvente e perdi muco em pequenas quantidades ao longo da noite.
Por volta das 3:30 acordei com uma cólica leve e um pouco de perda de líquido amniótico. Como estava sem sangue e sem cheiro segui o conselho de ouro do trabalho de parto: fui descansar.
O dia amanheceu nublado, como eu gosto. Às 5:30 as contrações começaram a engrenar. Passei a contar usando um aplicativo específico para isso. Quando Artur acordou avisei a ele e umas 7h avisei à Talitha (não quis acordá-la antes porque não achei necessário).
Fui gerenciando a dor e contando as contrações. O que senti foram cólicas fortes no ventre. Para mim respirar e contar foi muito importante. Eu havia lido num relato que um TP exige o preparo de uma maratona. Como gosto de correr me apeguei à metáfora. Certa vez cheguei em último lugar em uma corrida (juro!) mas cheguei. Quando li isso (lá pelo sexto mês) decidi que faria o mesmo no parto. A gente ia cruzar a linha de chegada, mesmo que demorasse. Eu ia contar o tempo, respirar e deixar a dor passar.
Assim fiz. A dor ia, vinha e eu respirava. A cada contração eu perdia um pouco de líquido amniótico, sempre sem cor e sem cheiro. Entre uma contração e outra eu tentava descansar. Tomei banho para relaxar, deitei, levantei, não consegui comer de jeito nenhum, até que a dor começou a ficar absolutamente intolerável. Isso já eram 11h. Fiquei em casa o máximo possível (uma decisão tomada com o aval da doula e do médico), pedi para Artur e mamãe me deixarem mais quietinha. No início fiquei um pouco no chuveiro, um pouco no banheiro apoiada na pia, mas passei a maior parte do tempo na minha cama no quarto de cortinas fechadas, deitadinha de lado. No quarto fiz para mim e para o bebê uma espécie de “ninho”, um lugar agradável e seguro. Eventualmente mamãe ou Artur vinham para me ver. Mais de uma vez Artur veio e se deitou comigo para ficarmos juntos, quando eu pedi ele trouxe um lanchinho (eu não havia tomado café da manhã nem almocei), mas surpreendentemente preferi ficar sozinha a maior parte do tempo. Engraçado que no plano de parto pensamos em música, banheira, óleos essenciais… No parto em si eu quis silêncio, concentração e aconchego. Só acertei sobre querer ficar em casa. Nada foi mais importante para mim do que estar no lugar que amo, com pessoas que amo, sem intervenções, em paz.
Todo tempo Artur estava falando com Dr. Thiago e Talitha e organizando nossa ida ao hospital. Ainda tive tempo de cancelar dois compromissos profissionais e desejar feliz aniversário a uma amiga ao longo da manhã. Enquanto isso a dor e o desconforto aumentavam.
Além da dor comecei a sentir uma pressão absurda. Em uma contração mais forte, por volta das 11:30 aproveitei para tentar fazer força. Péssima ideia. Ao forçar o movimento de expulsão senti ainda mais dor, mais pressão e sangue escorreu pelas minhas pernas. Nessa hora notei que precisava de ajuda. As pernas estavam bambas, a dor intensa. Chamei Artur para sairmos imediatamente. A essa altura ele e minha mãe já estavam prontos. As coisas no carro (quando a dor começou a ficar intensa pedi a eles para organizarem tudo). Mamãe tinha passado a manhã terminando a porta de maternidade e as lembrancinhas. No meio desse processo minha tia avó chegou porque ia resolver umas coisas com mamãe e acabamos indo todos para o hospital por volta das 12h.
Quando saímos, minhas contrações já estavam num intervalo de 3 minutos. Se eu cometi algum “erro” foi esse. Saí de casa com contrações muito intensas e curtas Na verdade, eu não acreditei que estivesse contando certo as contrações. Ainda pegamos trânsito para chegar no hospital o que aumentou minha sensação de desconforto.
Chegamos no hospital junto com o nosso médico e a doula. Tudo bem orquestrado. Quando as contrações se atenuaram por uns instantes fiz um resumo do dia para eles, falei da pressão e eles riram. “É o bebê” alguém falou.
Thiago fez o toque e me perguntou com quantos centímetros de dilatação eu achava estar. “Quatro”, chutei, ele disse que eram dez! Não deu tempo de nada. Enquanto mamãe e Artur cuidavam da papelada do hospital minha tia avó me deu suporte afetivo. Logo em seguida foi liberada a sala de parto (poderíamos ter ficado num quarto, mas na hora que dei entrada não havia quartos disponíveis) e subimos, eu Thiago, Talitha, a equipe de enfermagem e o maqueiro. A cada contração eu perdia para parar a maca. Thiago colocou o celular com músicas relaxantes e isso me ajudou muito. Na sala de cirurgia Thiago e Talitha me pediram para sair da maca.
Se há uma “partolândia” como dizem, esse foi o meu momento. Preferi ficar em pé, apoiada na mesa de cirurgia por uns instantes após me levantar. Continuei a sentir dor e Thiago fez uma massagem leve na minha lombar. Artur finalmente entrou na sala de parto e relaxei. Em seguida senti o primeiro ardor da cabecinha dele passando (o que algumas pessoas chamam de círculo de fogo). Acho que Thiago me orientou sobre a dor (me lembro dele ter dito para não forçar a expulsão e deixar a saída do bebê acontecer naturalmente) e me encaminhou para a banqueta. Tenho pouco registro consciente disso, um puxo, o ardor forte, Artur por perto e quando dei por mim eu já podia ver a cabecinha do Gabriel. Artur estava sentado diante de mim para pegar o bebê.
Gabriel e veio quente, cheio de vida. Veio para o meu colo e para o meu peito. Ficamos nós três, eu ele e Artur, juntos na nossa estreia como família. Thiago colocou “Reconhecimento” (que deve ter tocado umas dez vezes!) e por alguns segundos o tempo parou. Quando o cordão parou de pulsar eu e Artur o cortamos e, enquanto Thiago esperava comigo a placenta sair, Gabriel foi com o pai ser examinado e pesado pelo neonatologista, o Dr. Reginaldo. Terminado o parto, ficamos na sala mais um tempo e minha mãe pôde entrar. O bebê ficou sempre comigo, bem juntinho. Gabriel nasceu às 13:32 de um dia que acabou sendo ensolarado. Escolheu nascer no dia do aniversário da vovó, com o sol a brilhando forte no céu. Nasceu no tempo dele, do jeito dele, intensamente, e eu só tenho a agradecer ao universo e às pessoas que nos ajudaram nessa jornada.