Foi tudo o que eu quis, mas nada do que imaginei. Atravessei uma ponte e me tornei mãe. Senti dores, gritei, finalmente, me transformei ao pari. Como a maioria das mulheres, estava nos meus planos ser mãe, só que não tinha pressa. Eu e meu marido não tínhamos decidido ainda qual seria o momento ideal, sempre que o assunto me vinha à cabeça recorria a internet para assistir vídeos de trabalho de parto, os humanizados sempre eram mais interessantes, mais doces, mais fiéis e eu terminava à flor da pele com tudo que via, era inevitável chorar.

O tempo passou e, finalmente, estava com a vida que mudaria a minha dentro de mim. Vivi uma gravidez tranquila, amparada por minha família e excelentes profissionais. Que fase gostosa! me sentia tão importante em todos os lugares! Todo mundo olhava quando eu passava (parecia que viam um alienígena) surpresos com o barrigão, é tão engraçada a vida de gestante. Enfim, fui mimada, beijada e afagada desde o primeiro dia. Com 39 sem e 3 dias de gravidez meu corpo anunciou que queria pari, acordei com cólicas leves e iam e vinham de forma cíclica. Liguei pra meu marido e contei o que acontecia, com uma calma que não é do meu feitio, disse a ele que não se apressasse que “tudo” ainda demoraria muito. Avisei a meu médico (Thiago Cesar Parente Saraiva) e a minha doula (Talitha Accioly) e fui orientada a observar a duração é intervalo das contrações. Foi o que fiz. Ao longo do dia a dor aumentou e os intervalos diminuíram.

Não queria avisar a quase ninguém o que se passava, sentir que outra pessoa estava minimamente ansiosa por minha conta me deixava ainda mais pilhada. Minha estratégia para ficar relaxada me sabotou, tentar viver esse dia como um dia “normal” não me relaxou, em vez  disso, consumiu grande parte das minhas energias. No começo da noite, quando finalizei os preparativos da maternidade, as cólicas já não me deixavam raciocinar. Parei de contar e escrever no caderninho. Fechei os olhos. Que dor!!!!! Passei o dia pensando como seria a dor da contração porque, até então, “eu estava só sentindo cólicas”, foi aí que reparei que, simplesmente, eram a mesma coisa. Dor de contração = dor de cólica. Alô!! Só acreditei quando “percebi” que a cólica tinha potencial. Diferente de outras mulheres, minha dor não irradiou para região lombar, foi até o fim uma dor em baixo ventre que fazia com que eu encolhesse para frente em busca da posição fetal, a mais cômoda em alguns momentos.

A noite avançava, ainda em casa, eu vocalizava sempre que a contração vinha, fui para cama e de joelhos abracei uma torre de travesseiros e curvei-me para frente, logo após resolvi usar o chuveiro. Vinha me à cabeça os relatos de partos lidos, neles as mulheres relatavam que o chuveiro aliviava, nessa hora não foi assim, pelo menos não imediatamente. A doula chegou e fomos para o hospital (eu, meu marido, minha irmã). Daí pra frente, como disse, não parei mais de vocalizar, era a típica parturiente nas vias de fato. Controlei um pouco meu volume na recepção do hospital, não gostaria de parecer histérica. Meu obstetra já estava lá, que bom meu Deus! Ele me recebeu em um pequeno consultório, vê-lo foi tipo encontrar a vela e o fósforo em meio a um apagão (tudo bem, é antigo, hoje poderia ser o smartphone), agora eu sentia que tudo ia ficar bem. Dei um grande abraço, e quando ele me examinou estava com 5 cm de dilatação. Olha! Nada mal para uma primigesta (primeira gestação). Depois, não fui direto ao quarto, fiquei em uma enfermaria por algum tempo, lembro que foi muito, mesmo sabendo que trabalho de parto te deixa meio sem referencial. Recebi uma massagem tão maravilhosa do meu marido, era um movimento vigoroso e circular de punho fechado na região lombar que conseguia me transmiti amor ao mesmo tempo que aliviava meu sofrimento (desculpa sociedade, não consigo deixar de dizer que a dor me fez sofrer. Eu sofri, porém sabia que era a natureza agindo, me levando ao mais forte encontro dessa vida). Dra Viviane Pontes Medeiros  apareceu nessa hora, estava bem tranquila e conversou comigo. Finalmente fui para o apartamento. Todos começaram a montar as coisas: enche piscina, liga o som, baixa a luz, pega bola, toalha e etc. Primeiro fui ficar no chuveiro em cima da bola, dessa vez senti um alívio, Dra Vivi, que estava na minha frente, montou pra mim. Talitha colocou gotas de uma essência no meu top, alguém ligou o som, Andrezza tirava fotos, meu marido encheu a piscina (na boca, diga-se de passagem, porque a bomba não funcionou). As coisas estavam caminhando. Acho que era 2h da manhã quando tudo isso acontecia. Dr Thiago vinha sempre me ver, aquela serenidade de sempre, falava pouco e parecia orquestrar com olhar a dinâmica daquele momento. Depois de muuuuito tempo no chuveiro (ainda consegui me sentir culpada pela água que estava gastando), vontade de evacuar inúmeras vezes, meu tampão saiu.

Sempre que Dr. Thiago ou Dra. Vivi vinham me auscultar Talitha se surpreendia com a descida da cabeça, era percebida quando a posição de ausculta também ia baixando; porém, apesar de eu concordar no começo, depois não notei alguma diferença, isso que deixou um pouco tensa. Piscina cheia, hora de entrar. Não sabia mais de horas. A dor se intensificava e eu estava sedenta por um manejo que me desse alívio. Meu amor novamente fazia massagens das costas, Talitha fazia uma bem leve na testa. Entrei na água e a temperatura estava mais quente do que imaginava, fiquei de joelhos, depois quatro apoio, não me sentia melhor do que quando estava na bola, mas insisti. Suava copiosamente, pedi pra ligar o ar. Sentia frio, pedia para desligar. Me encostei da piscina e ali ficava olhando para dentro de mim entre as contrações, conversando com Deus e pedindo que fosse breve, muito breve, pedi, pedi pedi. Quando as contrações aumentaram mais uma vez eu me perguntei por que tinha escolhido assim, que loucura minha, eu não era forte suficiente. O dia estava amanhecendo, Thiago veio fazer o toque: 9 cm, faltando apagar mais um pouquinho (estou certa Thiago?). Eu não fiquei feliz, quanto tempo mais iria durar? Todo mundo me dava força e dizia que eu já tinha sido muito forte e que estava muito perto. Mas o que soou forte dentro de mim foi quando Thiago disse: Mirella, você precisa acreditar que vai pari! Era isso que realmente faltava, eu pensei.  Rompemos minha bolsa, aumentou minha dor, dilatei 10, mas não sentia puxos. Pedi por favor pela analgesia, tentaram me dar mais forças e falar coisas otimistas, no entanto eu estava decidida. Entendi que eles queriam me ajudar a ter um parto mais natural, ainda esperei algum tempo, até ficar em frangalhos. Todos concordaram que aquele era o momento certo para analgesia. Fui para bloco. Na minha cabeça, meu bebê ainda estava muito alto e a progressão estava muito lenta, só que o que me deixava mais triste é que eu não sentia puxos, que é a vontade involuntária de fazer força.

Como eu queria sentir, pra mim, senti-lo iria me levar à partolândia, ao ápice do parto, ao círculo de fogo, tudo aquilo que passei meses lendo e ouvindo. Recebi analgesia, fiz força, fiz tração no pano, fiquei na banqueta (Dra Vivi prontamente ficou atrás de mim (me dando apoio), meu marido na frente, Thiago de um lado e Talitha do outro). Em meio a esse cenário, só desejava que meu filho nascesse saudável, estava cansada, preocupada, mas não triste; via ao meu lado tanta gente boa, todo mundo cansado junto comigo e mesmo assim emanando tanto bem, não tinha o direito de esmorecer. Dentro de mim crescia uma força leonina que queria continuar, trazer ao mundo, fosse de qualquer forma, meu filho. Então, os batimentos do meu bebê começaram a cair após as contrações e ele poderia está sofrendo com a duração do meu trabalho de parto. Eu sentia que a equipe estava atenta a cada ausculta. E, finalmente, tive que optar por fazer uma cesárea ou usar a vácuo-extração ( técnica que usa aparelho para formar um vácuo para puxar o bebê), não dava mais pra esperar. Olhei para Thiago e perguntei a opinião dele, me explicou rapidamente como era seguro usar o vácuo-extrator, eu não pisquei, disse sim. Vamos! Trazer da melhor forma meu filho ao mundo, é isso que eu topo! Pari de forma horizontal com toda equipe disposta a minha volta e uma vontade geral de correr contra o tempo. Não titubeei, fiz força, muita. Alguém disse alto: faz força sem parar, empurra com o pulmão pra baixo, entendi na hora.

Fiz a força mais descomunal da minha vida e senti a cabeça e o corpo do meu filho saí. Descompressão, alívio, ardor. Eu não conseguia acreditar no que tinha acabado de acontecer comigo, ouvia o choro no meu filho no plano de fundo. Estava tão tonta que pensei ter ouvido alguém dizer que meu bebê precisaria ser intubado, mas não, Deus me deu um filho perfeito, apgar 9 (1 min) e 10 (5min) e acompanhado por Dr. Reginaldo Freire. Colocaram meu filho sobre mim, olhei para ele e fechei os olhos dando um suspiro profundo de agradecimento a Deus e ao mundo por ter conseguido dá à luz. Meu corpo ainda tremia enquanto eu olhava pra ele, sua cor, seus traços, seu cabelinho, o incomodo da ardência já estava passando… Sem nenhum esforço, a minha placenta saiu. Meu marido cortou o cordão, que, por sinal, tinha um nó verdadeiro que não gerou nenhum risco durante a gravidez. Tive uma laceração, era um grande medo meu antes do parto: a dor e aparência que isso iria deixar, na hora, toda essa preocupação pareceu insignificante, nem liguei. Meu pequeno agora estava no peito, ensaiando a primeira mamada, que cena encantadora! Ficou comigo sem pressa até ser levado junto com o pai para receber os primeiros cuidados e retornar ao meu colo. E assim foi… Totalmente diferente do que eu pensava que seria, contudo, foi como gostaria que fosse, saudável, sem grandes riscos, com equipe competente e disponível e ao lado dos que amo. Durante a dor, não pensei em desisti, e nem daria, mas pensei várias vezes ser loucura minha escolha; com Matheus já quentinho e aconchegado nos meus braços, tive a clara certeza que tudo foi o melhor que poderia ter acontecido. Dra. Vivi me disse ainda na sala: “esse parto foi o melhor porque foi o seu parto”. Sim, concordo com ela. Obrigada a minha equipe maravilhosa, foram fundamentais. Um agradecimento especial ao meu obstetra, Thiagão, como carinhosamente gostamos de chamar. Obrigada por tudo, você tem o dom, o talento e a vocação para fazer o que faz, deixo aqui minha gratidão imensa. Obrigada Dra. Vivi, Thalita, Dr. Reginaldo e a Dra. Moana. Obrigada ao meu esposo, meu amor e meu papai favorito pelo que ele é pra mim desde nosso primeiro dia. Obrigada pelo olhar, pelos beijos, pelas massagens e pelo amor. Obrigada a minha irmã, por assisti a essa passagem, por me entender nesse momento e por fotografar. Obrigada a toda nossa família e amigos que estavam presentes e emanaram muita energia boa. Obrigada ao meu filho por ter me escolhido como mãe!