Já fiz mentalmente umas três vezes meu relato, mas só agora aos seis meses de Marina finalmente terminei. E cada vez que repasso na cabeça, novos sentimentos surgem. Engravidamos e tive uma amiga madrinha (Fernanda Vasconcelos) que me guiou e me guia até hoje na maternidade. Me falou sobre o parto humanizado, me instruiu, me indicou equipe, grupos… Eu e João curtimos muito a proposta do parto humanizado, a questão de parto normal e implicações para a saúde de mãe e bebê e tal. Eu lembrava das complicações pós-parto da cesárea da minha irmã e um novo mundo se abria pra mim. Fui aprendendo sobre a história do parto e de onde vinha esse medo que conheço desde que me lembro. Começamos a frequentar o ISTHAR e aprendemos muito lá, além de seguir outros tantos grupos no facebook e devorar artigos do tema. No meio do caminho encontramos pessoas que se empolgaram como nós e nos apoiaram, algumas que não entendiam mas respeitavam e outras que não concordando com nosso planejamento achavam que deviam dizer isso ao invés de guardar pra si, fazendo até um certo terrorismo…
E quanto mais empoderada a gente fica, mais medos surgem. Eu ficava apavorada com a possibilidade de sofrer algum tipo de violência obstétrica. Chegamos pra dr Thiago ainda com 2 ou 3 meses de gravidez, gostamos de Thiagão logo de cara. E eu me apavorava com a possibilidade de sair de perto dele pra viajar no final da gravidez. Rs. E João lidando com minha paranoia.
Bem, depois de uma gravidez tranquila dentro do possível, eu tive um parto difícil, longo, doloroso e arrebatador.
Depois de muitas contrações de treinamento, no domingo 22/05 a noite começaram as contrações dolorosas, do tipo já que tinha que parar o que estava fazendo, mas bem irregulares. Durante a noite, dei umas cochiladas e de manhã tinha passado. Tô nos pródromos, pensei… 12h da segunda fui no shopping procurar o colchão do berço e almoçar, ia entrar de licença nesse dia já, mas chegando lá as dores voltaram e nem entrei no shopping. Me comuniquei com João e Polly e comecei a ficar um pouco nervosa. Foi uma tarde de ansiedade, alegria e apreensão ao mesmo tempo. Tá chegando a hora! 17h eu pedi arrego a João pq não tava mais aguentando ficar só e ele foi pra casa. As contrações diminuíam o intervalo mas permaneciam irregulares, e foi assim até o final… Os intervalos diminuindo, o número 2 chegando. Fomos pro hospital umas 21h, 3 contrações em 10min. Chegando lá, 1cm de dilatação, quase morro com essa informação. Mas fiquei por lá pq tive medo de retornar de madrugada, me sentia mais segura lá. As contrações vinham fortes, mas irregulares. Muito chuveiro quente, bola, Polly e umas sonecas de vez em quando. 3h30 da manhã tava com 4cm. Ufa, pensei, tá andando.
E… Parou por aí. Não sei pq travou a dilatação. Talvez a irregularidade das contrações. De manhã eu tava exausta, ansiosa e muito irritada pq não saía do lugar. E Dr Thiago me diz que podia demorar dois dias ainda! Comecei a me desesperar, pedi pra ele me ajudar, tentar acelerar um pouco porque eu não ia aguentar mais muito tempo. A falta de evolução era o que me consumia. Ele tentou estourar a bolsa, continuou na mesma. Perguntei sobre ocito, ele me explicou os prós e contras e pedi que aplicasse. Fui pra banheira. As sonhadas contrações ritmadas finalmente chegaram, fiquei tão feliz! Ia andar finalmente. Passei pra uma fase de alegria no meio das dores, não me faltava bom humor. Ainda falei que gostei muito do sorinho da dor… E depois disso senti as tais dores da ocito. Tentei me concentrar, perdi o bom humor, comecei a vomitar, chorava compulsivamente, como nunca chorei antes. Polly me dava força mas eu implorava pela analgesia. Minha irmã me segurava com carinho enquanto eu vomitava zilhões de vezes. João caiu na besteira de comentar que parto normal era assim e afoguei ele na banheira, mentalmente, na prática só joguei uma aguinha nele… Depois de me explicar todos os prós e contras novamente, falamos no meu plano de parto (eu tinha deixado a possibilidade de analgesia se eu pedisse). Peço outro exame de toque no final da manhã (pedi umas 4x no total), 5cm!! Me desespero, me desespero com a dor, com o cansaço, nada ficava no meu estômago, e essa dilatação que não sai do canto.
Gente, tava doendo demais, eu era toda dor. Não conseguia pensar em nada mais, não conseguia não sofrer. Mas não evoluía. Diz dr Thiago q eu briguei com ele nessa hora mas eu não lembro disso não… Fui pra analgesia, lá pras 13h da segunda. Que alívio. Ainda lembro eu na mesa esperando passar uma contração pra aplicar a analgesia, chorando compulsivamente abraçada a dr Thiago enquanto ele apertava meu quadril e me prometia que era a última daquele jeito e eu me acalmava. Dormi um pouco na mesa e recomeçamos os trabalhos. Fui pra bola com Polly, eu era outra pessoa, sorrindo aliviada. Em 2h dilatei o que faltava. Mas, tudo passa ne? Inclusive a analgesia do parto… Aquela dor do final da dilatação foi voltando, o expulsivo se aproximando. Tudo pronto. A equipe posicionada pra assistir…
E eu… Eu era um prato de papa, não conseguia nem escolher uma posição. A equipe me levou pra banqueta. E chegou a hora. Eu chorava nervosa e feliz ao mesmo tempo. Chegou nada, quem disse que eu conseguia empurrar. Doía demais. Doíam as contrações, doía ela no canal de parto, doía a alma pro corpo se abrir. Doía empurrar. Eu só chorava e falava que não conseguia. Pedi tudo que se possa imaginar, vácuo, ensaiei pedir o fórceps (pasmem!), cesárea (!), mas essa eu não falei de coração não. Tentava empurrar e não achava força. Não queria me mexer, protestava quando alguém trocava de lugar pra ficar atrás de mim me segurando. Até que movida pelo desespero eu consegui começar a empurrar, e achava que não saía do lugar porque empurrava e nada… Apareceram os cabelinhos, mas eu não quis ver, eu era toda dor, só dor, não conseguia ser mais nada naquela hora. De repente começou a queimar (círculo de fogo num parto com analgesia?!). Polly me lembrava do círculo de fogo, e eu fiquei feliz com o queimor porque significava que ela tava nascendo. João emocionado aguardando pra pegar ela, Polly me segurando, toda a equipe me mostrando outros focos, Thiago lembrando que eu tinha força, o olhar sereno de Vivi, Suzana, minha musa anestesista (huahuahua)… Mas eu só fechava os olhos e me concentrava na dor e empurrava. Quando nasceu a cabecinha eu aguardei ansiosamente e chamei outra contração pra que nascesse o corpinho.
E… nasceu!
Eu não morri de dor do parto, apesar de ter dito várias vezes a Thiagão e Polly que ia ser a primeira mulher a morrer assim e a culpa era deles… João pegou ela, não sei muito bem se mais alguém pegou e passou pra mim. Eu abraçava ela, forte, vermelhinha, chorando. E eu inerte, exausta, doída, eu era só torpor. E ela era perfeita… Fui pra mesa, Dr Guilherme (pediatra maravilhoso, acompanha nossa filha até hoje) pergunta se pode examinar ela agora ou depois. Pedi que examinasse logo pra que depois não precisasse mais ela sair do meu colo. Apesar da minha analgesia ela não precisou de nenhuma intervenção. Recebeu Apgar 10/10. Tomou vitamina k no meu colo e foi só isso. Sem aspiração, sondagem, colírio… Minha filha foi recebida cercada de proteção, amor e paz. Na mesa eu fiquei com medo de derrubar ela porque não sentia um mísero músculo do meu corpo mais. Nasceu a placenta, me assustei um pouco mas foi super rápido com uma dorzinha quente e gosmenta. Levei uns pontinhos, laceração grau 1, com um ponto só grau 2. Marina vem mamar, parece que já nasceu profissional, lembro da festa da equipe com a pega dela. Nasceu 17h25, cheguei no quarto 19h e pouca, mas parece que passaram 15min só. Lembro da equipe se despedindo, das enfermeiras me cuidando e da festa quando chegamos no quarto. E que enfermeiras! Toda a equipe de enfermagem foi maravilhosa todo o tempo que estivemos internadas.