Antes de engravidar, duas fortes atitudes são bem presentes em minha memória, que denunciavam e direcionavam para um medo enorme da dor do parto. Uma, decorrente das histórias horrorosas que já havia escutado sobre partos normais, era a minha convicção de que faria uma cesárea, indiscutivelmente. Outra se dava pelo fato de eu ser uma pessoa, digamos, “manhosa”. Minha mãe e meu marido vez por outra diziam: “essa ai quando for parir, hein?!”.
Pois bem, foi na gestação que iniciei um processo transformador fundamental para o nascimento de uma mãe. Da mãe que eu quero ser.
Iniciei uma série de leituras sobre gestação e rapidamente me tornei uma grande defensora do parto natural. Quem diria… Minha mãe e Pedro, meu marido, logo abandonaram aquele pensamento de que eu não suportaria a dor e ele iniciou comigo o processo de empoderamento.
Participamos dos grupos do Boa Hora, nos vinculamos a um médico defensor da causa (Thiago Saraiva) e a uma doula maravilhosa (Dan Gayoso) que passaram a nos acompanhar. Marília Nepomuceno, uma querida amiga, ficou de fazer as fotos, o que nos deixou muito à vontade por estar imersa nesse universo do parir e por ser militante do movimento de empoderamento das mulheres. Foi ela quem primeiro nos abriu os olhos para a humanização do parto e sua sensibilidade em capturar e eternizar em imagens esse momento o tornou ainda mais especial.
A quantidade de vezes que escutei a palavra “corajosa” quando falava sobre a minha escolha chega a ser escandalosa. Por isso, o estudo, a participação nos grupos e a escolha de uma boa equipe foram tão importantes, porque as pessoas desencorajam bastante, mesmo sem perceber.
* O parto
Estava com 40 semanas + 1 dia e a convicção de que demoraria mais um pouco para a nossa Alice vir, quando, às 3h da manhã, perdi o tampão. Frio na barriga, mesmo sabendo que podia demorar dias ainda para entrar em trabalho de parto. Às 4h, levantei novamente da cama e parei estatalada sentindo escorrer pelas pernas aquele líquido quente. E agora? “Ok, a bolsa estourou, mas ainda assim o TP pode demorar para engatar”. Mas não demorou. Acordei Pedro. As contrações chegaram já com intervalos curtos, em torno de 3 minutos e meio. Esperamos o dia amanhecer para avisar à equipe e as contrações já estavam bastante doloridas. Por volta das 8h Dan e Marília chegaram. Nossa doula constatou que as contrações estavam próximas e ritmadas, sugeriu que fôssemos ao hospital para que eu me valesse de alguns meios para amenizar a dor, concordamos e em seguida fomos para o hospital. Eu cheguei com o colo do útero já praticamente todo apagado e 3cm de dilatação.
Fiquei bastante tempo na piscina. A água quente me trazia um certo alívio da dor e um estado de relaxamento entre as contrações que me permitia dormir. Sim, eu dormia entre uma contração e outra e acordava num pinote com aquela dor em forma de onda. Dor intensa como o parto, me apertava especialmente as costas e as pernas.
As lembranças ficam meio embaralhadas e veem como flashes.. É a chamada “partolândia”. Lembro de ter pedido várias vezes por analgesia, mas como eu sabia que provavelmente pediria, já tinha avisado a todos que desconsiderassem meu pedido. Então a ajuda para lidar com a dor vinha de outras formas: água quente, massagem, mudança de posição, etc. Pedro e Dan me lembravam sempre de respirar, mas vez por outra eu me perdia e me entregava a um movimento muito perigoso de me sentir incapaz, de achar que não conseguiria suportar a dor. Mas o suporte vinha, e de todos os lados – Pedro, Dan, dr. Thiago, Marília. Todos me lembravam o que eu já sabia, que meu corpo sabe parir, que aquela dor era especial, que ia trazer a minha filha e que eu precisava me entregar.
Apesar de ter passado praticamente o dia todo na piscina, na hora do expulsivo preferi a banqueta. Pedro sentou no chão, na minha frente, e era através dos olhos dele que eu via Alice chegando. Primeiro saiu a cabecinha, tão cabeluda, e a sensação é mesmo de ardência, o “círculo de fogo”. O soluço do choro de Pedro me dava força pra empurrar mais. Ele parecia trêmulo, mas quando ela saiu, segurou com as mãos firmes e me entregou. Alice nasceu chorando, acompanhando as lágrimas da mãe e do pai. E naquele momento, quando pela primeira vez fomos duas, choramos os três. E eu agarrei minha filha, cheirei, senti cada pedaço, quentinho. Lembro que achei ela linda e que, maravilhada, repetia: “a gente conseguiu”. No dia 31 de maio de 2015, às 19:33, com 3,740kg e 51cm, nasceu Alice. Sem analgesia, sem anestesia ou ocitocina sintética, no dia que escolheu, na hora que estava pronta, amparada pelo pai e direto pros braços da mãe, que ofereceu o peito e o amor imediatamente. O cordão só foi cortado quando parou de pulsar, nada de colírio, sem sonda ou aspiração. A vitamina k tomou nos braços do pai e de perto de nós não saiu até hoje. Nada de berçário, o banho foi dado no dia seguinte, no quarto, por nós, com mãos sem luvas.
É difícil colocar em palavras a potência desse momento. Parir me transformou de um jeito tão intenso que ainda estou me dando conta.
Por fim, queria agradecer a equipe maravilhosa que nos acompanhou, por acreditarem em mim e por me lembrarem que eu também acredito. Marília, Dan e Thiago, muito obrigada.
E queria agradecer ainda mais a Pedro, pela força e dedicação e pelo pai maravilhoso que nasceu naquele parto.